sexta-feira, 6 de junho de 2008


Adoção e os Problemas de Aprendizagem
Elisa Maria Pitombo
agosto/2005
Resumo:
O artigo apresenta uma reflexão para a área da Psicopedagogia, baseado em experiência clínica psicopedagógica com crianças e jovens adotivos com problemas de aprendizagem. As relações com o processo de aprendizagem sugerem dificuldades advindas da aquisição de sua identidade, em geral estabelecida pelo vínculo com a mãe biológica e as atitudes dos pais adotivos relativas ao processo de adoção.

Palavras-chave: adoção – problemas de aprendizagem.
Pretendo neste artigo repartir reflexões advindas de minha prática clínica psicopedagógica no atendimento de crianças e jovens adotivos.
Ao longo de anos atendendo crianças e jovens adotivos na clínica psicopedagógica, noto que apresentam dificuldade em lidar com o aprender, com o investigar – com o conhecer. Geralmente sua auto-imagem mostra-se empobrecida e sua identidade mesclada a fantasias frente às situações de aprendizagem.
A criança e o jovem adotivo apresentam, em geral, comportamentos de: distanciamento com o objeto do conhecimento, alheamento acompanhados de fantasias, dificuldade em enfrentar os desafios do aprender, pouco desejo para conhecer. Através desses parecem indicar a necessidade de se assegurarem com regularidade do vínculo com o outro, seja professor ou seus pais adotivos para explicitar o conhecimento.
Segundo minha experiência clínica, esta criança ou jovem com freqüência apresenta problemas de aprendizagem, visto ser o desejo em “conhecer” ser atravessado pelo desconhecimento da causa de seu abandono pela mãe biológica. Assim instala-se em seu ser uma região do “desconhecido”. Em geral o luto e a perda de não ter sido querido abre portas para um dos mais doloridos questionamentos do ser humano: Quem sou? Qual é o meu lugar no mundo? Fui amado por minha mãe biológica?
Noto que a curiosidade natural para conhecer sobre si e sobre os outros, o impulso epistemofílico da curiosidade, muitas vezes gera fantasias sobre o que conhece e, quando reprimidas, podem até comprometer a possibilidade para o saber através da aprendizagem. Considerando que a primeira figura parental que manteriam contato – a mãe – que oferecer-lhe-ia o “espelho” para que iniciasse o processo de vinculação e a conseqüente identidade, foi, por assim dizer, “quebrado”, pois foi abandonado e desta feita sente-se não querido. Por conseguinte o seu processo de identidade se projeta numa imagem fragmentada e, sobretudo, distorcida. Para ele desponta um questionamento: como estabelecerei vínculo com os outros para aprender, para saber, para conhecer?
Considerando que o aprender é um processo de apropriar-se ativamente do objeto do conhecimento através da relação com o outro, Wallon (1975) assinala que o meio mais importante para a formação da personalidade é o meio social. Então uma outra questão surge: Como a criança ou o jovem adotivo realiza o processo de sua identidade é algumas vezes difusa, como aprender com o outro?
O processo de adoção, segundo Levinzon (2004), envolve conteúdo de perda ou rejeição pela mãe biológica. Creio que o luto deixa marcas que determinam a capacidade que a criança adotiva tem de vincular-se ao outro e, portanto, no conhecer. Na clínica psicopedagógica o luto, a meu ver, traduz-se muitas vezes na impossibilidade de simbolizar o conhecer, e ao desrealizar o pensar provoca uma fratura, um sintoma de não-aprendizagem, um problema de aprendizagem.
Fernandez (1991) ao realizar uma leitura clínica psicopedagógica do mito de Édipo, nos apresenta uma reflexão que acredito apontar caminhos. Para a autora “... Édipo 'não sabe' quais são seus verdadeiros pais, desconhece que aqueles que se mostram como seus pais não o são. O desconhecimento está ocupado por um falso conhecimento” (p.39). Penso que se instala na criança ou jovem adotivo um conhecimento não verdadeiro, o “desconhecido” obscurece o seu conhecer.
A mesma autora assinala ainda a situação do casal que, ao não se conformar com a sua infertilidade, transforma em segredo a origem do filho adotado. De certa forma, impedem ao filho de desenvolver uma atitude investigadora, obstruindo a possibilidade de simbolizar. Nesse padrão de esconder conhecimentos não favorecem a confiança na relação afetiva e social com o outro.
Em muitas ocasiões as crianças e jovens adotivos infringem regras de relacionamento na tentativa de provar a perenidade dos vínculos afetivos, como se fosse um teste para existir na relação com o outro, para provar a sua identidade. Acredito ser fundamental ter a compreensão destes testes para educadores e pais, para entender que este é apenas um recurso que encontram para elaborar suas angústias sobre sua identidade na relação social.
Levinzon (2004), sustentando-se em Klein (1921), indica pontos relevantes para a questão da identidade da criança adotiva. Sustenta que, quando a curiosidade natural e o impulso para pesquisar o desconhecido esbarram na oposição, todas as investigações são reprimidas; assim, a criança teme defrontar-se com aspectos proibidos ou pecaminosos. A criança adotiva desenvolverá uma certa aversão à busca do conhecer e a curiosidade pode aparecer de maneira extremamente superficial.
Concordo com Woiler (1987) citando Gibert (1981) que as crianças adotivas Apresentam problemas de aprendizagem, como se, para eles incorporar conhecimentos se constitui um grave problema: investigar coisas e aprender São elementos que parecem caminhar juntos. O investigar está relacionado com o perguntar por suas origens, interrogação esta que foi proibida ao adotado, por seus pais. O aprender aparece simbolizado em uma destas três possibilidades: mete-se onde lhe é proibido; descobrir algo que os demais não querem ou permitem que se saiba; meter-se em algo que, além de não ser para eles, é mau (p.98).
Apresentam problemas de aprendizagem, como se, para eles incorporar conhecimentos se constitui um grave problema: investigar coisas e aprender São elementos que parecem caminhar juntos. O investigar está relacionado com o perguntar por suas origens, interrogação esta que foi proibida ao adotado, por seus pais. O aprender aparece simbolizado em uma destas três possibilidades: mete-se onde lhe é proibido; descobrir algo que os demais não querem ou permitem que se saiba; meter-se em algo que, além de não ser para eles, é mau (p.98).
Recordo-me do caso de Antônio, de 11 anos de idade, consciente de sua adoção, mas que sofreu anoxia no parto, permanecendo internado por dois meses. Foi adotado aos quatro meses de idade por um casal infértil. Apresentava enurese noturna e dificuldade para controlar as fezes. Dormia mal à noite até os cinco anos de idade, agitava-se muito e gritava. Teve dificuldade de adaptação ao ingressar na escola. Apresentava um sintoma de problema de aprendizagem, por comportamentos de desatenção, de desinteresse para investigar e sobretudo, de extrema passividade frente às situações de desafio para aprender.
Durante o diagnóstico psicopedagógico apresentou retraimento nas relações sociais e pouco falava, expressava-se através dos olhos, respondia de forma muito simplificada acompanhada por uma postura física de retraimento, encolhendo-se; no aspecto perceptivo-motor demonstrou dificuldade quanto a lateralidade, a proporção, a seqüência e o tamanho de figuras; no aspecto cognitivo teve desempenho mediano, percebendo as operações lógicas, mas atendo-se a detalhes inexpressivos; na leitura demonstrou dificuldades de fluidez e na escrita indicou um texto com idéias segmentadas sem coesão e coerência, cujo conteúdo sugeria fuga e inversão de papéis, em que o fraco agredia o mais forte e se refugiava. Enfim, não identificava sua real necessidade para aprender, preferindo adiá-la e assim, permanecer no universo que conhecia para não enfrentar o aprender.
Antônio foi atendido na clínica psicopedagógica e, numa das produções escritas após um jogo, relatou que precisaria ter paciência, pois não poderia fugir da sua questão, e que não precisaria da preguiça e muito menos ficar parado. Por vezes recorria à interlocução de seu boneco 'Mi', quando em geral enfrentava situações de desafios de aprendizagem. Ao espontaneamente trazer o boneco no atendimento psicopedagógico clínico, pôde aos poucos se desvincular desse objeto transacional e estabelecer o vínculo terapêutico para iniciar o seu processo de identidade, daquele que pensa e aprende com autonomia.
Prosseguiu o atendimento psicopedagógico clínico realizando atividades de intervenção corporais para desenvolver a sua auto-imagem e controle postural; jogos envolvendo aspectos cognitivos; leitura e elaboração de textos a partir de seu interesse sobre mitologia, Prometeu e Faetonte, ou ainda sobre o explorador inglês Livingstone; e também produções plásticas, destacando-se dentre elas a “ponte que ligava os mundos”.
Ele foi em seu ritmo configurando um novo quadro, fazendo as pontes possíveis no conhecer. Numa das leituras de textos, solicitei sua opinião sobre o explorador inglês Livingstone, e ele escreveu “... eu acho que é divertido descobrir coisas, porque a gente aprende muito com isso... e é legal descobrir animais novos para as outras pessoas que não sabem, ficarem sabendo...”. Aqui, Antônio indicava a manifestação do seu desejo de descobrir e aprender com prazer, assinalando que estava mudando o quadro do sintoma, tornando-se autônomo na aprendizagem, desejoso para relacionar-se com o outro.
O atendimento clínico psicopedagógico com adotivos ensinou-me a respeitar o ritmo no setting terapêutico e a maneira do estabelecimento do vínculo terapêutico Possibilitou-me de outro lado, pesquisar as variações do conhecer na aprendizagem. Indicou-me também que as situações de mudança no setting terapêutico devem seguir a demanda do cliente, pois muitas vezes a repetição de jogos ou atividades com o aprender torna-se constante por um demorado período, como que necessitando garantir a permanência do aprendido, do conhecido, para dar vazão à curiosidade.
Também foi possível constatar nos atendimentos clínico psicopedagógico a importância impulso da curiosidade como fundamental para a sustentação do processo de aprendizagem com essa população. E se este é prejudicado, surge a inibição do mecanismo do conhecer.
Woiler (1987), após analisar e estudar vários casos de crianças adotivas com problemas de aprendizagem, conclui que estas ao apresentarem inibição intelectual acompanhada, algumas vezes, de comportamentos relacionados com a hiperatividade.
Compreendi através do atendimento clínico psicopedagógico com adotivos que situações de aprendizagem deveriam ter poucas mudanças, em ambiente calmo e seguro para que pudessem expandir e elaborar atitudes de inquietação.
Enfim atestei que o problema de aprendizagem na criança ou jovem adotivo, a meu ver, possui aspectos cognitivos lábeis, que inibem a modalidade de aprendizagem. Pain (1986) sustenta esta questão assentando que nesse quadro de crianças adotivas apresentam dificuldades na articulação do conhecimento quando há encobrimento do conhecer.
A criança ou o jovem adotivo com problemas de aprendizagem, segundo a minha prática clínica psicopedagógica, por vezes parece ser uma luta para ser autônoma no aprender, para ter escolhas, mas num cenário inerente a sua condição - um universo conhecido e por outro desconhecido.
Acredito que outras reflexões são necessárias sobre a criança e o jovem adotivo com problemas de aprendizagem. Mas convido a todos que lidam com o processo de aprendizagem a considerar que a adoção não é um trauma mas uma solução para os filhos que foram escolhidos e amados, para os pais que obtiveram um lar, e para os psicopedagogos e educadores uma oportunidade rica de investigações sobre o processo de aprendizagem e seus problemas.
Referências bibliográficas
Fernandez, A. (1991). A inteligência aprisionada: abordagem psicopedagógica clínica
para criança e sua família (2 ª ed.). Porto Alegre: Artes Médicas.
Levinzon, G. K. (2004). Adoção: clínica psicanalítica (1ª.ed.). São Paulo: Casa do Psicólogo.
Pain, S. (1986). Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem (2ª ed.). Porto Alegre: Artes Médicas.
Wallon, H. (1975) Psicologia e educação na infância. Lisboa: Estampa.
Woiler, E. (1997). A condição afetivo-emocional da criança adotada: repercussões na aprendizagem, em especial na aprendizagem escolar. Dissertação de Mestrado, Psicologia Clínica, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, SP.

Elisa Maria Pitombo - Mestre em Psicologia pela Universidade São Marcos, São Paulo, SP, docente do curso de Psicopedagogia do Instituto Sedes Sapientiae, São Paulo, SP.

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